quarta-feira, outubro 10, 2007

O obelisco de madeira


Era uma vez um menino que ouviu contar sobre um padre muito especial, o padre Pio, que viveu há muitos anos atrás e que falava muito sobre o anjo da guarda. Este padre dizia que todos nós tínhamos um anjo da guarda que estava sempre pronto a atender-nos e ao pé de nós para nos auxiliar. Contava que ele próprio tinha por diversas vezes chamado pelo auxílio do seu anjo, que sempre o ajudara nas alturas de crise e nos momentos mais difíceis.

O menino então lembrou-se que a sua mãe lhe havia oferecido, quando ainda era pequenino, um pequeno obelisco em madeira com a imagem do anjo da guarda a rezar, para pôr na mesa de cabeceira. Mesmo depois de casado e de se ter mudado de casa de seus pais para a sua nova casa, o obelisco, mesmo na confusão da mudança, tinha-o acompanhado até à sua nova mesa de cabeceira sem ele se aperceber bem como.

Um dia, quando estava a dormir, o menino abriu de súbito os olhos e viu pairando sobre si um lindo anjo, todo vestido de azul, que lhe sorria e observava serenamente. Era o seu anjo da guarda que o tinha vindo visitar. Mas com um propósito, o de lhe mostrar como a vida era simples se ele a começasse a ver com outros olhos, diferentes dos olhos que tinha utilizado até ali. O menino concordou e o anjo pediu-lhe que fechasse de novo os olhos. E ele assim fez. O anjo mostrou-lhe então a vida como ela era, simples, natural e descomplicada. Mostrou-lhe o que realmente era importante: a sua companheira, os seus amigos, o pai e a mãe, a família toda, os primos e sobrinho pequeninos, as gatinhas que tinha em casa, as flores e as árvorezinhas que escolheu para o seu jardim, o vento morno do fim da tarde, o cantar alegre dos passarinhos à volta da sua casa, o perfume colorido que as flores nos ofereciam, a atracção que várias vezes sentia por Deus, por Jesus e por alguns Santos. Tanta coisa lhe mostrou o anjo e, no entanto, todas aquelas coisas estavam tão perto de si. O anjo levou-o depois para outro local, mais agitado e menos confortável, onde lhe mostrou as coisas que ele, o menino, dava frequentemente muita, e até desmesurada importância: as arreliações, as irritações, as coisas de computadores, os livros dos Mestres da Sabedoria e os ensinamentos que ele tão avidamente queria pôr em prática, o não conseguir seguir o caminho de Jesus, as críticas que faziam por vezes à sua pessoa, o modo de agir dos seus superiores, as suas preocupações excessivas com certos assuntos. Todas estes assuntos rodopiavam constantemente no seu pensamento, não o deixando um só momento e retardando-lhe o andar para a frente e o fazer o que realmente era necessário e útil.
O menino observou com muita atenção tudo o que o anjo lhe mostrou e ficou em silêncio. O anjo olhou para ele e nada pronunciou. Na realidade não haviam palavras a serem trocadas entre ambos. Apenas o olhar do divino ser e o seu próprio olhar de agradecimento. Então, o anjo da guarda do menino abriu as suas enormes asas brancas e, num só pensamento e numa única vontade, impulsionou-o para cima e para o alto rumo ao céu estrelado. Leves como plumas subiram cada vez mais alto. A confiança do menino no seu anjo era absoluta à medida que subiam cada vez mais. A certa altura pararam de subir e o menino apercebeu-se que o seu fiel amigo não o podia levar mais para cima. Era apenas até ali, por enquanto, que ele o podia levar, e já era muito alto… Olhando então em volta, observou as estrelas cintilantes, que eram muito parecidas com a sua mãe que havia partido há pouco tempo, e percebeu assim o único objectivo delas - brilhar como nunca e para sempre ao pé das suas irmãs. Aí, nesse local, ondas de amor atravessaram-no de lado a lado transformando-o no ser de luz que ele era mas que poucas vezes havia sentido. Sentia no seu interior um amor infinito, tão grande, tão grande que tudo preenchia, e que jorrava depois de dentro de si como uma cascata de luz cristalina e resplandecente derramando-se a toda a sua volta. Lembrou-se então do seu anjo e viu-o brilhar intensamente, os seus olhos eram brancos tal era a intensidade de luz que deles emanava. O menino viu então que brilhava com a mesma intensidade que o seu anjo. Os dois brilhos mesclavam-se agora num matizado azul celeste de uma beleza indescritível. Apercebeu-se então quem verdadeiramente era - um brilho intenso, uma estrela brilhante na imensidão do Cosmos celeste. E que não fazia qualquer sentido brilhar se não fosse pelos seus irmãos de jornada e pelo seu Deus, que tanto tempo e tão pacientemente esperou por ele. Assim permaneceram durante um certo tempo, inundando aquele pedacinho de universo onde estavam com o seu amor e brilho, antes que o anjo o trouxesse de novo, devagarinho, para baixo, para o seu quarto. Ainda com os olhos abertos, antes de adormecer, um último pensamento percorreu-lhe a mente: “finalmente as estrelas levaram-me com elas para onde eu pertenço”. Lembrou-se então que também pertencia cá em baixo, sempre ao lado dos seus companheiros e que o seu Deus assim haveria de querer que fosse. Adormeceu profundamente olhando para o pequeno obelisco ao seu lado, agradecendo à sua mãe e ao seu anjo da guarda a visita tão importante que lhe havia feito naquele dia…